domingo, 25 de agosto de 2013

De geração em geração perpetua-se a Arte do Ferro e do Fogo!


A Arte da Cutelaria Custom, produzida manualmente tem inúmeros pontos legais para aqueles que seguem esta carreira. Vamos à alguns:

  • Não temos dia, hora nem carga semanal para trabalhar, isso é determinado por cada cuteleiro, de acordo com suas prioridades;
  • Não temos patrão nem chefe (isso certamente é uma desvantagem para alguns!);
  • Somos a menor empresa do mundo. Em minha carreira sou operário, faxineiro, gerente de marketing, diretor de logística, presidente da empresa e tantas outras funções que um cuteleiro custom exerce. Com isso não dependemos de ninguém que possa sabotar ou atrapalhar nosso desempenho, ou seja, se as coisas não forem bem, a culpa será exclusivamente nossa!;
  • Não temos salário fixo. Quanto melhor e mais produzirmos, mais ganhamos por isso;
  • Não temos fronteiras. Pode-se morar em qualquer lugar do mundo trabalhando como cuteleiro custom, desde que se tenha acesso à internet e correio;
  • Temos reconhecimento. É um trabalho recompensador, pois além de receber por ele, ainda somos respeitados, reconhecidos e tratados como artistas;
  • É um trabalho realizador. Produzir lâminas é um caminho fascinante e emocionalmente recompensador;
  • Superamos nossos limites. Gradualmente desenvolvemos habilidades e aptidões que jamais acharíamos sermos capazes de dominar;
  • Fazemos amizades incríveis. Como conversei recentemente com o amigo, cuteleiro e colecionador Newton Hernandes Júnior, é impressionante como conhecemos pessoas legais cujas amizades queremos levar para o resto da vida.
Obviamente não são somente estas. Podemos elencar uma centena de aspectos positivos da carreira de cuteleiro. Mas uma das que acho mais legais, pela própria ancestralidade de como ocorre, é a forma de transmissão de conhecimento.

Desde os mais remotos tempos da história da humanidade, o conhecimento e a história vem sendo transmitidos por meio da tradição oral, de pessoa para pessoa, no "tete a tete". Nossa amada arte não poderia ser diferente e tem sido ensinada da mesma forma desde os primórdios: do Mestre ao Aprendiz.

A única e histórica foto em minha carreira, de quando conheci meu Mestre
Luciano Oliveira Dornelles, em dezembro de 2004. 
Até então eu nunca havia visto uma faca de aço damasco. 
Nas mãos temos uma La Pampa, 
feita por Luciano com lâmina e bainha toda em aço damasco.


A cor exata que o aço assume na temperatura de têmpera, nenhum manual pode ensinar. A percepção tátil do complexo tratamento químico de uma lâmina de aço damasco também não.

Minha primeira oficina, improvisada num canto dentro da 
oficina mecânica de meu grande amigo Armando Cancela.
Na época eu morava num apartamento e trabalhei por mais
de 6 meses neste espaço gentilmente cedido pelo meu irmão motociclista.
Notem a bigorna improvisada com um pedaço de trilho de trem.

Nos primórdios, as Guildas:

Acredito que a Idade Média seja o período que produza mais fascinação nas mentes de cuteleiros e colecionadores, devido à influência que a indústria cinematográfica produziu com diversos filmes de época, bem como pelo próprio estudo da história, por tratar-se de um período de muitas guerras e conquistas.


Minha primeira faca.

Nessa época os artesãos dormiam, comiam e criavam seus filhos em seus locais de trabalho. As famílias de artesãos não eram estruturadas como nos moldes atuais, ou seja pelo amor. Elas eram organizadas num sistema de guildas, onde os artistas tinham recompensas pessoais no sentido de serem respeitados e por ocuparem posições honrosas e vitais às cidades da época.

Os conhecimentos e habilidades do mestre conferiam-lhe o direito de mandar e a possibilidade de desenvolver estas mesmas habilidades impunham ao aprendiz um dever de obediência.


Jerry Fisk, ensinando sua arte aos cuteleiros brasileiros
em março de 2006. Embora alguns cuteleiros anti-éticos da atualidade
não reconheçam, este Mastersmith ocupa uma posição

importantíssima na evolução técnica de nossa arte no Brasil.

Essa transmissão de conhecimento era revestida de um sentimento de superior para subordinado, onde o superior (mestre) estabelecia as regras e conteúdos dos ensinamentos e o subordinado (aprendiz) deveria sujeitar-se à elas e esforçar-se ao máximo para recebê-las.

Tratava-se de uma legítima e palpável autoridade, onde quem sabia mais tinha ascendência sobre quem sabia menos, diferente de uma autoridade instituída e com prazo de validade.

O conhecimento era, em si, considerado a fonte do poder econômico. 


O habilidoso Luciano Dornelles, meu primeiro Mestre,
me ensinando a complexa arte do aço damasco
em julho de 2006.

Os tempos médios de aprendizagem eram de cerca de 7 anos, para cada fase de aprendizado. 7 anos de aprendizado para que o aprendiz se tornasse, digamos, nível intermediário e mais 7 anos para que este viesse a se tornar mestre. As famílias dos aprendizes custeavam os jovens nessa época. 

O aprendiz aprendia basicamente pela imitação. O nível intermediário era mais exigido, devendo demonstrar, além da habilidade técnica, capacidade gerencial de uma oficina e o desenvolvimento das características que o habilitassem a ser um futuro líder.


Nos tempos vagos Dornelles também me ensinava
a ancestral e misteriosa arte do tiro de arco vendado!!!

As decisões do mestre tinham caráter irrevogável, pois este era amplamente revestido de autoridade e autonomia. 

Quanto fosse "promovido" à intermediário, o aprendiz tinha a possibilidade de tornar-se itinerante, mudando-se de cidade em cidade, onde as guildas, que eram organizadas em redes, os receberiam, testariam seus conhecimentos e lhe dariam suporte e orientação temporários, enquanto estivessem por ali.


Às vezes a técnica ancestral falha!

Os contratos da época tinham pouca credibilidade e as transações econômicas eram feitas baseadas meramente na confiança, mas a construção de um nome sólido e de excelente reputação eram objetivos primordiais dos artesãos.

A autoridade do artista não se traduzia apenas numa posição honrosa perante a sociedade, mas era concretizada na qualidade e consistência de suas habilidades e conhecimentos. Isso o fazia inseparável de sua ética.


Minha primeira faca de aço damasco, forjada na oficina de
Luciano Dornelles em Nova Petrópolis.

A honra das guildas era a força motriz da honestidade. Os artesãos que demonstrassem desonestidade, eram física e violentamente punidos e banidos (isso ainda deveria ser assim hoje!!!). O bom nome do artista tinha relevância econômica e política. 

A guilda medieval era baseada na hierarquia familiar, porém em moldes bem diferentes do que nos dias atuais, onde os laços sanguíneos são determinantes. Mestres, intermediários e aprendizes eram considerados parentes, ainda que não o fossem de forma consanguínea. Os pais confiavam seus filhos aos mestres artesãos, fazendo este um papel que substituía o primeiro, com poderes inclusive para a imposição de punições físicas para reprimir maus comportamentos.
Os 3 maiores responsáveis pelo meu sucesso na cutelaria:
Gustavo Vilar, Luciano Dornelles e Rodrigo Sfreddo.

Os segredos profissionais do mestre eram preservados mediante um juramento religioso que o aprendiz fazia, comprometendo-se a preservá-los. Estes fortes laços das guildas familiares conferiam a seus membros o direito de portar emblemas e bandeiras que lhes conferiam um grande destaque social e o direito de postarem-se em lugares privilegiados em banquetes.

A oficina da idade média era uma organização social estruturada pela honra e não pelo amor. A autoridade do mestre era baseada no ensinamento de suas habilidades aos mais novos. O comportamento ético era absolutamente intrínseco ao conteúdo técnico de seu ofício.


Eduardo Berardo ensinando o grande cuteleiro Gustavo Vilar a lição
"Não se deve mexer com gente mais forte que você!"
Em Parati, novembro de 2007.

O Dojô, o Quartel e a Oficina:

Iniciei meu aprendizado no Judô antes mesmo de aprender a escrever. Não havia ainda completado 6 anos de idade e já estava perambulando pelo tatame, aprendendo a lutar com os mais velhos. Posso afirmar sem exagero que os moldes do ensino que recebi seriam considerados bem pouco ortodoxos para os moldes modernos. 

Meu primeiro Sensei, Gilberto Rosas não tinha os olhos puxados nem era descendente de japoneses, entretanto era tão severo e disciplinador quanto o mais duro mestre de artes marciais dos filmes de Hollywood. 


Luciano Dornelles me ensinando a confeccionar 
um dificílimo cabo de faca de luta, em novembro de 2007,
em minha segunda oficina improvisada.

Era um homem forte, que treinava o halterofilismo da época (década de 70), prática pouco comum até então, o que fazia dele um homem com um físico muito mais forte que a maioria das pessoas. Faixa-preta de Judô e Karatê Shotokan, ministrava suas aulas invariavelmente portando na faixa um shinai, espada de treinamento japonesa feita de bambu, com a qual punia com "shinaizadas" nos tornozelos aos alunos indisciplinados.

Os mais ousados que se arriscassem a correr, tomavam as espadadas nas pernas ou nas costas. O melhor de tudo é que meus pais e também os de meus colegas não só autorizavam como aprovavam esse método de ensino.

Uma demonstração do Mago dos damascos turcos, das peças integrais,
e de tantas outras técnicas incríveis Rodrigo Sfreddo, 
durante Curso Avançado de Cutelaria que ministrou
para mim e para Ricardo Vilar em setembro de 2009.
Eu e Vilar até hoje brincamos que Sfreddo é tão habilidoso e dedicado
que deve ter sido abduzido por Extraterrestres Fazedores de Faca.

Curiosamente nenhum de nós, judocas aprendizes da época, cresceu traumatizado, sequelado ou se tornou um serial killer atormentado por um passado de violências.

Nossos treinamentos à época aconteciam 3 vezes por semana, com duração cada um de 2 horas. Isso, por si só hoje, geraria uma grande polêmica. Seria quase tortura! Lembro-me que treinávamos à exaustão, forjando o corpo e o caráter. Aos 9 anos de idade eu conseguia fazer em perfeita execução 70 flexões de braço. Tudo devido à exigência de meu Estimado Sensei e por minha persistência. Absolutamente impensável, hoje, um piloto de videogames e internet, suportar 2 horas de treino duro e realizar 70 flexões de braço numa só empreitada. Uma pena!

As moderníssimas "doenças escolares" como deficit de atenção e hiperatividade, na minha opinião uma frescura causada por ausência de autoridade dos pais e professores, eram rápida e energicamente "curadas" na base da "shinaizada" no dojô, ou na chinelada, ou cintada em casa.


Vilar e Sfreddo na Oficina Escola do Mastersmith (Sfreddo)
durante o Curso Avançado de Cutelaria em 2009.

Não me lembro de uma de minhas travessuras, desobediências e demonstrações de falta de educação terem passado batido. O couro comia pro meu lado. Não tinha pra onde correr, nem na escola que eu estudava eu podia aprontar, pois minha mãe era Professora de Educação Física e meu pai era Assistente de Direção.

Na real... eu estava sempre frito. Em casa, no dojo e também na escola.

Depois de tudo isso, aos meus 21 anos veio o quartel. Meu ingresso no Curso de Formação de Oficiais da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, assustou boa parte de minha família, que apostavam que eu jamais me adaptaria. Ao contrário, muito rapidamente eu estava não apenas plenamente adaptado, mas gostava daquele estilo de vida.


Um grande momento de nossas carreiras:
Berardo, Sfreddo e Vilar na Feira de Cutelaria de Milão 2009.

Hora certa pra fazer tudo, jeito certo pra fazer tudo... era a minha cara! Meus instrutores não sabiam mas meu aprendizado do judô me transformaram em militar antes mesmo de me alistar.

Depois veio o aprendizado, em primeiro momento com Luciano Dornelles, um pouco posteriormente com Rodrigo Sfreddo e esporadicamente com Gustavo Vilar. Todos estes cuteleiros virtuosos, profissionais seríssimos e extremamente dedicados e exímios na arte de ensinar.

Algumas das chamadas de atenção de Dornelles me doem aos ouvidos até hoje. Uma vezes me repreendeu por erros básicos que não mais deveriam acontecer, de uma forma que fiquei com vergonha de ter feito aquele "trabalho porco".


Entre dois Mastersmiths e ícones da Cutelaria Mundial:
Rodrigo Sfreddo e Jerry Fisk,
durante outra visita de Fisk ao Brasil, em março de 2010.

Rodrigo Sfreddo tem paciência ilimitada até o momento que percebe desídia por parte do aluno. Professor sério, raramente numa aula "mostra os dentes" para alguém. Trabalho é trabalho! Nos intervalos pro café era outro cara...

Gustavo Vilar me ensinou mais informalmente, porém com não menos importância para mim. Nos víamos somente em eventos, onde eu sempre pedia-lhe para criticar minhas facas. Ele ficava 20 minutos examinando cada faca antes de falar a primeira palavra e me apontava 10 ou 15 imperfeições que eu jamais teria percebido. Eu não repetia mais estes erros! Guto também me ensinou uma infinidade de técnicas e me socorreu via telefone quando algo dava errado.

Nenhum destes profissionais "deu mole" pra mim em meu período inicial de aprendizagem (digo inicial, pois nunca cessamos de aprender e evoluir). Recebi duras críticas e correções que por vezes me deixavam chateado, não com eles, mas comigo mesmo que como aprendiz, deveria estar me dedicando mais. 


Retribuindo os ensinamentos:
Eduardo Berardo ensinando Jerry Fisk como
eliminar a concorrência, ao lado de Daniel Jobim,
durante a Mostra Internacional de Cutelaria 2012.

É claro que nos bate papos com os colegas nos eventos de cutelaria, estamos sempre aprendendo algo novo, ao que manifesto minha gratidão à todos que se dispuseram a me ensinar algo. Mas à estes 3 caras, referências da cutelaria brasileira, rendo meus mais profundos sentimentos de gratidão, admiração e reverência.

Os deveres do Aprendiz:

Esclarecimentos:

Pelas próprias características culturais do povo brasileiro, de não levar nada muito à sério e de dar um jeitinho pra tudo, este tópico provavelmente gerará alguma polêmica.

Mais uma vez ressalto que este blog é o veículo de comunicação de minha pessoa e profissional para o público que me prestigia, onde expresso minha maneira de pensar. Não pretendo convencer ninguém de que estou certo! Não tenho a pretensão de ditar regra nenhuma, nem tampouco me tornar uma referência para quem quer que seja. Só quero me manifestar com liberdade!

Os deveres do Aprendiz:

1. Humildade: 

No Japão o curso básico de forjador de espadas dura o tempo mínimo de cinco anos. Destes, o primeiro ano inteiro, o aluno apenas pica carvão para a forja e varre a oficina, não tendo contato com nenhum conteúdo técnico. Isso para exercitar a humildade e entender que nada sabe, para que depois de estar "espiritualmente" preparado, iniciar no aprendizado da arte em si.


Mestre japonês forjador de espadas.

Conheço a história de um judoca que saiu de Bauru/SP para aperfeiçoar seus estudos em um dojô de São Paulo. Chegou sem prévia apresentação e pediu morada e aprendizado ao Sensei da Capital. Passou a morar na academia, onde pelo primeiro ano e meio só varreu o tatame e lavou o banheiro, sem participar dos treinos. Depois de percebidos requisitos essenciais de humildade e persistência, tudo o que o mestre sabia lhe foi ensinado. Hoje o judoca de Bauru é um renomado Sensei em todo o Brasil, com vários alunos Campeões Brasileiros e integrantes da fortíssima Seleção Brasileira de Judô. Outros tempos...

O Cuteleiro Aprendiz deve esvaziar-se de sua arrogância e vaidade para ocupar este espaço com conhecimentos concretos. No início o aprendiz não deve ter vontade própria, pois ainda não tem personalidade profissional definida. Fará aquilo que seu mestre lhe determinar, da forma e quantas vezes lhe for mandado. 


Ensinando Judô no Colégio Objetivo de Catanduva em 2005.

Se a lâmina tem riscos, lixará exaustivamente até que não reste nenhum, para não adquirir o vício de fazer mal feito. Não poderá querer fazer este ou aquele modelo. Fará aquilo que seu orientador determinar como sendo o mais adequado para sua fase de aprendizado.

É perfeitamente normal que na fase embrionária da carreira, as facas do aprendiz tenham a cara do trabalho de seu mestre. Óbvio, o mestre é sua referência! É claro que, depois de desenvolvidas habilidades básicas, o aprendiz pode e deve tomar outros rumos e desenvolver um trabalho que tenha sua própria cara.

2. Disciplina:

É simplesmente impensável que na vida alguém consiga fazer algo bem feito ou mesmo concluir um projeto satisfatoriamente sem que tenha disciplina. Para nossa cultura tupiniquim é um conceito meio careta, fora de moda e contra-cultura. 

Depois de 3 décadas de prática de judô e de 2 décadas de vida militar, a meu modo, definiria disciplina como "fazer o que deve ser feito, do modo que deve ser feito, sem a necessidade de ser mandado ou de sofrer alguma fiscalização.



Não é necessário discorrer muito sobre esse tema, pois para aprender como se espera é necessário ter horário para fazer as coisas, seguir regras e cumprir tudo o que foi acordado. Fora disto é perda de tempo!

3. Persistência:


Me lembro que uma de minhas 10 primeiras facas eu errei o cabo por 5 vezes, sendo necessárias 6 tentativas e consequentemente 6 blocos de madeira pra conseguir um cabo satisfatório. Numa vez colei torto, noutra o cabo rachou, noutra errei o furo do pino, etc.

Também já perdi duas facas depois de prontas, onde só consegui notar erros graves depois de ter terminado as peças. Para mim que sou part time, isso pode significar 1 ou 2 semanas de trabalho.

No trabalho manual, onde as máquinas não são as principais coadjuvantes que cospem facas prontas a cada segundo, isso é previsível e normal. Todo cuteleiro consagrado, com absoluta certeza, passou por isso. 



Agora imaginem se Rodrigo Sfreddo tivesse desistido no primeiro erro, na primeira lâmina que errou... provavelmente seria um eremita, pois não o imagino fazendo nada mais além de lâminas!

Quem se predispuser a aprender cutelaria tem que antes de tudo, ter em mente que é um caminho extremamente árduo, penoso, sacrificante e que se levará vários anos, cometendo erros por vezes estúpidos até que seja considerado bom. Entretanto os erros não deixarão de existir, somente diminuirão de incidência. Persistir é preciso! 

4. Ética:


Infelizmente, não só na cutelaria custom, mas em todo ramo de atividade humana onde hajam mais de uma pessoa, será frequente as críticas, maledicências, sacanagens, etc. 



O aprendiz deve portar-se como se vivesse sozinho no mundo, não tendo ninguém pra falar mal e tendo como referencial para superar, si mesmo. Não é necessário ser melhor que fulano ou ciclano para ser bom cuteleiro. Basta ser amanhã, melhor do que foi hoje. Evolução constante e foco naquilo que tem como meta, não nos outros e em suas vidas!

5. Gratidão:


A falta de sentimento de gratidão também é um comportamento comum aos povos ocidentais. Somos em nossa maioria egoístas, indiferentes, ingratos e individualistas. 



O aprendiz não pode esquecer de cultuar e manifestar o sentimento de gratidão por seu mestre, bem como por todos aqueles que o orientaram e ajudaram nos primeiros passos. 

6. Reverência:


Yasuhiro Yamashita é o maior judoca de todos os tempos. Durante os últimos 13 anos de sua carreira competitiva ele não só foi invencível, como ninguém no mundo inteiro conseguiu fazê-lo cair sentado no tatame, quanto mais projetá-lo.


O maior de todos os tempos!

Para um campeão de boxe, ficar alguns anos invicto já é difícil, mesmo lutando apenas 2 ou 3 vezes por ano. Acontece que um judoca de alto nível faz 6 ou 7 lutas à cada quinze dias. Assim dá pra mensurar o nível de Yamashita no judô.

Na década de 80, Yamashita e seu professor vieram ao Brasil para ministrarem um curso. Em dado momento foi-lhe solicitado que projetasse seu professor, para demonstrar uma determinada técnica.

Ocorre que devido à brilhante carreira do super campeão, ele, naquela circunstância já tinha graduação superior à de seu professor, além de ter todos os maiores títulos do judô mundial várias vezes. Ou seja, era superior à seu professor.



Tratava-se do Pelé do Judô, o maior vencedor, mais ovacionado e famoso judoca da história. Seu professor... apenas um faixa-preta entre milhões!

Yamashita recusou-se a jogar seu professor ao tatame. Insistiram-lhe e ele terminantemente recusou-se, explicando aos presentes que ainda que seu professor fosse de graduação inferior, era e sempre seria seu mestre.

Isso é reverência!


É claro que nestes itens caberiam outros quesitos a serem classificados como deveres do aprendiz, entretanto procurei elencar aqueles que julgo imprescindíveis.

Os deveres do Mestre:

Neste tópico quero esclarecer que não me refiro à mestre como título adquirido mediante certificação de habilidades, mas tão somente como aquele que ensina algo à alguém! Não é um tratamento pomposo e revestido de vaidade, ao contrário, de grande importância e responsabilidade.

1. Humildade:

Reputo como imprescindível destacar que a humildade também é vital àquele que ensina.

O simples fato de estar ensinando o que se sabe à alguém não faz de um profissional uma sumidade sobre o assunto. Outrossim, ser uma sumidade em qualquer coisa não impede ninguém de ter uma postura humilde. 

Não vejo problemas no professor assumir que determinado assunto ele desconhece, ou que não domina uma técnica específica. Ridículo seria dizer-se capaz e não demonstrar-se capaz. Ninguém sabe tudo de uma profissão e não há problema algum em não conhecer algum ponto, basta somente assumir que desconhece.



Há que se ressaltar também que existe a possibilidade de o aluno virtuoso, um dia, tornar-se tecnicamente melhor que seu mestre. A questão é: Qual o problema com isso? E se o aluno for mais talentoso que o mestre? Não vejo nenhum problema neste ponto, afinal de contas Einsten, Newton e Platão um dia, também tiveram professores!

2. Paciência:

O aprendiz, obviamente não tem uma linha de raciocínio técnica-profissional desenvolvida e ágil como de seu professor. E quem ensina não pode se esquecer disso.

O neófito ira errar com muito mais frequência, repetir as mesmas perguntas primárias diversas vezes e carecer da mesma repetida orientação.



Aquele que se dispõe a ensinar não pode ter a si próprio como parâmetro de habilidade, conhecimento e até mesmo talento. Deve se colocar na posição de quem está sendo orientado para não exceder na exigência nem nas reprimendas.

3. Compromisso:

Quando se assume o compromisso de ensinar alguém, este coloca todas as suas expectativas no professor. O mestre tem o compromisso de ensinar o melhor e da melhor forma possível.

Deve transmitir ao estudante os procedimentos que o farão apresentar a melhor faca possível à seus futuros clientes, sem artimanhas e truques para encurtar o caminho de confecção das peças ou que as tornem de inferior qualidade.



O mestre tem o dever de ensinar os "pulos do gato", aqueles segredos profissionais que são a chave do sucesso de seu trabalho, da precisão e qualidade de suas peças. Se não o fizer, nossa arte não evoluirá tecnicamente!!!

Como mencionei anteriormente o aprendizado nunca cessa e o domínio dos conhecimentos e habilidades leva muitos anos. Assim o mestre não o será somente durante aquela semana do curso básico de cutelaria. Deve manter o compromisso de orientar seu aprendiz sempre que for necessário.

4. Postura:

Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras! Concordo.

Assumir a posição de professor de alguém não se resume apenas a transmitir formalmente conhecimentos técnico-profissionais durante as aulas. Deve-se manter uma posição pessoal e profissional irrepreensível perante seu aluno, pois este certamente o observa e imita incessantemente, assim como um filho faz com um pai.



Luciano Dornelles me ensinou, pelo exemplo (pois o assisti trabalhando por bastante tempo) a persistência, o esmero, o cuidado, a atenção especial aos detalhes... e tudo isso, na maioria das vezes sem falar nenhuma palavra. Com ele aprendi até mesmo como se portar, durante um evento, diante dos clientes.

Quem ensina deve ser sempre um BOM EXEMPLO!

Quitando uma "Dívida":

Quando iniciei meu aprendizado na cutelaria Luciano Dornelles ainda não havia ministrado nenhum curso, muito embora já ensinasse nossa amada arte "informalmente" há bom tempo.

Contou-me que haviam aparecido muitos candidatos à aprendizes, sendo que a maioria desistiu e alguns seguiram aprendendo, sem no entanto frequentarem um curso propriamente dito. Prosseguiam aprendendo conforme visitavam a oficina de Luciano e pegavam algumas dicas ou demonstrações do professor.

Luciano Dornelles, meu primeiro Mestre.

Rodrigo Sfreddo que morava e ainda mora na mesma bela cidade que Luciano, Nova Petrópolis/RS,  nesta época também ensinava à vários aprendizes da mesma maneira "extra-curso", na esperança de que alguns dos candidatos se tornassem cuteleiros efetivos.

Felizmente minha educação familiar sempre frisou o sentimento de gratidão pelos que nos ajudam. À época eu não pagava nada pelo meu aprendizado, muito embora insistisse reiteradamente para pagar, pois a cada vez que Luciano parava seu trabalho para me ensinar algo, obviamente estava deixando de ganhar com sua produção interrompida.

Mas nunca me deixou pagar nada. Ao contrário, além do raro aprendizado, ainda me dava hospedagem e uma amizade valiosa. 

Um dia, de tanto insistir para ao menos custear o tempo que dedicava à mim, Luciano me disse:
"- Um dia, quando aparecer alguém realmente digno, você o ensine gratuitamente que nossa dívida estará quitada!"

Berardo e Luiz Gustavo Gonçalves, 
sempre atento e muito dedicado.

Essa conversa aconteceu em abril de 2005. De lá para cá, repetiu-se comigo a mesma história de Dornelles e Sfreddo, ou seja, inúmeros candidatos a aprendizes surgiram, sendo que me dispus a ensinar cada um deles, mas nenhum persistiu.

Um deles, cujo caso vale contar, era um Uruguaio que ensinava espanhol na mesma escola que eu estudava inglês. Meus colegas de classe sabiam que eu fazia facas artesanais e um dia, quando terminei uma das minhas primeiras facas de damasco, levei-a à aula para que eles a vissem.

E lá estava o Uruguaio falante que ao ver a faca simplesmente enlouqueceu. Disse-me que era alucinado por facas e que seu maior sonho de criança era aprender a fazê-las. Perguntou-me se eu o ensinaria e o quanto cobraria. Respondi-lhe que lhe ensinaria gratuitamente, bastando-me como pagamento sua dedicação.

Marcamos para o sábado seguinte a iniciação do uruguaio tagarela. Chegou em casa com algumas revistas, ferramentas e um catálogo de ferramentas enorme. Fiz uma bela introdução teórica por cerca de 2 horas. Nossa primeira instrução prática seria de forjamento.

Sempre acompanhando tudo de perto, 
fazendo questionamentos inteligentes, anotando e fotografando tudo!
Isso é querer aprender!

Acendi a forja e forjei uma pequena faca de caça em aço carbono, explicando-lhe passo-a-passo como fazer. Chegada a hora do hermano, começou a forjar e juro, passados menos de 5 minutos de calor e marteladas, o mesmo me disse repentinamente que havia esquecido de buscar sua mulher e que estava atrasado. 

Deixou-me com a forja acesa e o martelo na mão e fez uma "saída pela direita" bem ao estilo e velocidade do Leão da Montanha. 

Nunca mais voltou!!! Guardei seus pertences por mais de 2 anos e nunca mais vi meu aluno tagarela! Nem na escola de línguas o encontrei mais. Ele estava terminando sua última turma de espanhol quando o conheci.

Acho que quando experimentou o calor do fogo e o peso do martelo resolveu esquecer seu primeiro maior sonho de criança e partir para o segundo, suponho... ser hippie em Trancoso!  

Mas como a esperança é a última que morre, em 2012, quando o Emílcio veio até minha casa para me entregar um de seus fantásticos fornos eletrônicos para tratamento térmico que eu acabara de adquirir, veio junto um tal de Luiz Gustavo Gonçalves, fotógrafo, bom de proza e que, aos poucos começou com o papo de que queria aprender a fazer facas.

Olhei bem pro seu jeitão de estudante de física nuclear, com seu penteado estilo porco espinho e pensei comigo: mais um lunático desavisado com surto de Conam o Bárbaro! Mas como promessa é dívida...

Luiz Gustavo Gonçalves,
cuteleiro virtuoso e com futuro muito promissor!

E não é que o camarada veio de São Paulo no final de semana que havíamos combinado! Isso me mostrou real interesse, pois como eu, viajou longa distância para poder aprender (de Catanduva à Nova Petrópolis são 1350 km!). Comecei a ter esperanças de não desperdiçar mais meu tempo.

Gustavo tinha força de vontade e vinha já com algum conhecimento prévio, transmitido pelo colega cuteleiro JB. Mantivemos contato e ele, aos poucos se mostrou ser aquele "alguém realmente digno" que eu procurei por 8 anos.

Seu aprendizado está de vento em popa, tem se estabelecido no mercado, recebido prêmios e até recebeu um elogio inesquecível de Jerry Fisk, que ao ver suas facas, disse: "Estou vendo o trabalho de um futuro Mastersmith!". Deus te ouça Jerry!

Acho que quitei minha dívida! Forte abraço à todos!




Para receber emails de Facas Disponíveis, 
Vídeos, Artigos e Informativos sobre Eventos, 
cadastre-se, enviando email para:

e.berardoknives@gmail.com

Contato:
Email: e.berardoknives@gmail.com
Celular: (17) 99727-0246
Telefone Fixo: (17) 3525-2595

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Little Deer: Vendida!

Olá Caros Amigos, estou disponibilizando à venda esta faca utilitária cujos dados técnicos e imagens seguem abaixo:

Lâmina: medindo 4 polegadas de comprimento, em design straight back e damasco padrão rain drop;

Guarda: em aço damasco;

Cabo: em chifre de cervo sambar de ótima qualidade e boa textura, com excelente curvatura para uma empunhadura segura e confortável;

Bainha: em couro de búfalo, tingida e estampada em baixo relevo, com bordas abauladas e brunidas.


Uma bela peça, de visual atraente e clássico, extremamente prática e portável, perfeita para uso cotidiano e um excelente custo benefício. 

Um grande abraço a todos! Fiquem com Deus!


Visual clássico e sempre belo do chifre de cervo.

Curvatura do cabo perfeita para a segurança e conforto.

Vista superior.

A tonalidade caramelo do chifre envelhecido.

Vista por baixo.

O psicodélico padrão de damasco rain drop.

Perfeita na cintura.


 Para receber emails de Facas Disponíveis, 
Vídeos, Artigos e Informativos sobre Eventos, 
cadastre-se, enviando email para:

e.berardoknives@gmail.com

Contato:
Email: e.berardoknives@gmail.com
Celular: (17) 99727-0246
Telefone Fixo: (17) 3525-2595