Meu objetivo com este artigo não é, de forma alguma, advogar em favor ou desfavor de qualquer pessoa, mas sim o de produzir mudança de comportamento positiva no povo brasileiro, em especial nos profissionais de cutelaria.
Uma cultura sem cultura
Um comportamento frequente em nosso país hoje, é o de as pessoas aparentarem o que na realidade não são.
Qualquer menina bonita, com curvas sensuais que tem 1 ou 2 minutos de exposição em rede nacional, já se acha atriz e quer trabalhar na novela das oito ou apresentar um programa só dela.
O MC Fulando de Tal, que vendeu meia dúzia de discos, já se acha hábil músico e pensa estar no patamar do Roberto Carlos.
Isso corrói a cultura de nosso povo e subverte nossos valores éticos e morais.
A exposição exagerada e efêmera, baseada em aparências e em requisitos pessoais sem qualquer conteúdo, seduzem, especialmente aos jovens, que passam a sonhar com o "estrelato" a qualquer custo, deixando de trilhar o caminho concreto por meio do trabalho duro e do estudo.
Titãs
Já cantavam os Titãs em "A melhor banda de todos os tempos da última semana":
"Quinze minutos de fama
Mais um pros comerciais,
Quinze minutos de fama
Depois descanse em paz.
O gênio da última hora,
É o idiota do ano seguinte
O último novo-rico,
É o mais novo pedinte"
As Facas e o nosso querido Brasil
A cutelaria custom em nosso país ainda se encontra em período embrionário, bem no comecinho de sua história, visto que ainda hoje, em detrimento de muitos esforços isolados, a divulgação de nossa arte é pequena, o número de nossos artistas é ínfimo e o percentual de clientes conquistados frente ao número de potenciais clientes, ainda é uma milionésima fração do que pode vir a ser.
Silvana Mouzinho,
sem dúvidas uma das maiores incentivadoras
da Cutelaria Custom de nosso país.
Quando um novo simpatizante de lâminas aparece e começa a conhecer aos poucos o que é, o nível técnico, a performance e a qualidade de uma faca custom, inevitavelmente fica maravilhado.
Sem dúvidas, colecionar lâminas, discutir sobre elas, usá-las e confeccioná-las são atividades sensacionais, que cativam muita gente.
Uma das reuniões mensais da Conversa Afiada:
boa proza e gente bacana fomentando a cutelaria!
Ocorre que existe uma distância razoável entre gostar e comprar. Mesmo que o interessado tenha poder econômico que o permita, comprar a primeira faca custom, pela simples diferenciação de preços entre uma faca industrial e uma confeccionada inteiramente à mão, trata-se de um passo bem grande.
As pessoas leigas não tem sequer uma vaga ideia da dificuldade técnica, do tempo de produção, da qualidade, da alta performance e consequentemente do preço de uma faca custom.
A distância que separa o cliente de meramente gostar e admirar, para efetivamente comprar uma faca é longa e só é percorrida desde que haja presente um adjetivo imprescindível:
CONFIANÇA!
Quando alguém compra uma faca, não pode determinar com certeza se o aço utilizado é realmente o mesmo que foi anunciado, se todas as etapas do tratamento térmico foram corretas e fielmente cumpridas, se a faca não quebrará e o deixará na mão.
O Cliente simplesmente confia!
Conquistar essa confiança é um exercício diário, uma verdadeira maratona, uma batalha cotidiana, que não permite o menor deslise, nem um pequeno vacilo, que suscite um vislumbre de falha moral associada à pessoa do artista.
É sedutora a ideia de vender facas por um bom valor. Isso arrebanha uma legião de pretensos novos cuteleiros, que mal sabem o quanto o caminho é longo e árduo.
Mas, para que alguém consiga vender sua facas, não basta que elas sejam belas e cortem bem. O artista deve manter-se constantemente transparente, honesto e confiável!
O Mestre!
A maioria das pessoas que decidem se embrenhar numa nova área do conhecimento humano, a aprender uma nova ciência, não tem sequer uma vaga noção do que realmente significa a palavra Mestre.
Na maioria das vezes, é um título erroneamente associado à pompa, à fama e ao sucesso. Ledo engano!
Esquecem-se da imensa carga de responsabilidade que um Mestre carrega em cada uma de suas ações, em seus exemplos, nos seus ensinamentos ministrados.
À direita o Mestre Jigoro Kano,
Criador do Judô.
Me recordo da palestra ministrada por um professor de Judô, 9° Dan, na Federação Paulista de Judô quando, junto com vários colegas, fui aprovado à graduação de Faixa-Preta 1º Dan, no ano 2000 em São Paulo.
Todos estavam esperando ouvir que naquele momento estaríamos nos tornando mestres, donos do conhecimento, os pais da matéria.
Qual foi a minha surpresa, depois de longos 23 anos de prática e dedicação ao judô, quando de peito estufado ouvi, como primeira frase, que nós ainda não sabíamos nem uma pequena fração do que precisaríamos aprender, que estávamos no início da jornada e que usar uma faixa-preta só aumentava a responsabilidade de dar um bom exemplo e aumentar a dedicação nos estudos e treinamentos do judô. Que ninguém ali era mestre de nada e que ser um mestre não estava relacionado à cor da faixa que ostentávamos, mas ao modo de pensarmos e nos comportarmos.
Pra quem estava todo metido, esperando um efusivo "parabéns" e um abraço fraterno, aquilo foi um soco no estômago! Aliás, o judô me bateu no estômago centenas de vezes na vida. Inúmeras vezes que eu estava começando a me sentir "o cara", o lutador mor, invariavelmente, neste dia, eu tomava um belo de um pau no treinamento. Era impressionante: era só eu começar a me achar e apanhar, como dizem na minha região, "como vaca na horta de japonês!"
Ensinando aos mais jovens, depois de ter aprendido a lição
de que eu não sabia "quase nada"!
Certa vez vi um garoto perguntando ao Mestre Cuteleiro Rodrigo Sfreddo, durante um evento, quanto tempo levava pra fazer uma determinada faca. Resposta: vinte anos!
Dominar a arte à ponto de ser reconhecidamente um Mestre é uma longa e dura jornada, de dedicação e esforço constante e que traz consigo uma carga imensa de responsabilidade.
Rodrigo Sfreddo: Mestre de Fato e de Direito!
Sfreddo me disse uma vez que para ser um Mestre não basta conseguir fazer uma faca de mestre. É necessário que todas as facas confeccionadas à partir de então, sejam do nível das facas de um Mestre.
Ademais, o verdadeiro Mestre jamais deixa de ser um aprendiz, pois sabe que sempre haverá mais para aprender e para se aperfeiçoar!
O Monge...
Títulos à parte, pois eles não necessariamente significam conduta ético-profissional irrepreensível nem tampouco conhecimento sólido, um profissional de conhecimento elevado e qualidade técnica suprema, não tem necessariamente que ter um título para ser o que é.
Como exemplo máximo disso gosto de citar o cuteleiro Gustavo Vilar. Gustavo não tem título nenhum na cutelaria e ao que me consta, também não se preocupa nem planeja tê-lo. Ele é o que é, confia plenamente naquilo que sabe e faz, e está plenamente seguro e satisfeito com isso.
Gustavo é surfista, triatleta, bicho solto! Filho de artistas consagrados no Estado do Espírito Santo. Se eu não estiver enganado, seu pai é escultor e sua mãe artista plástica e ambos são professores de artes nas Universidades Federal e particulares de Vitória.
O rapaz cresceu em meio à arte e domina praticamente tudo em termos de técnicas que se podem aplicar em uma faca ou canivete. Tecnicamente falando, posso apostar que com seu nível técnico ele "dá pau" em muitos cuteleiros que são mestres por título. Mas, Gustavo não tem título de mestre.
Alto astral, exímio profissional e um cara muito gente fina!
Hoje o consagrado cuteleiro está morando e trabalhando nos Emirados Árabes, pertinho da paradisíaca Dubai, contratado por um Sheik para fazer exclusivamente as suas peças de coleção e as que dá de presente à seus amigos. O patrão do Gustavo vende petróleo e paga em dólar. Mas, Gustavo não tem título de mestre!
Exatamente aí que está a questão. Para ser efetivamente um Mestre, não é necessariamente obrigatório se ter um título. O Mestre se faz pelo conhecimento e conduta... não pelo diploma!
Gustavo é o Monge, que escolheu viver na dele, fazer o que gosta e ser feliz com isso, sem a necessidade de ter que provar nada pra ninguém. Não que os Mestres intitulados tenham buscado seus títulos com o intuito de provar algo para os outros, pois buscar certificação é legítimo e desejável, mas sabemos que alguns não buscam o nível técnico nem a conduta, mas a pompa e os holofotes!
O Sapo.
A cultura brasileira atual ovaciona o que se aparenta ser, sem que necessariamente o seja! Celebridades efêmeras ao estilo Big Brother fazem surgir no imaginário de nosso povo de pouca cultura, a oportunidade de se tornar "artista", de ficar em evidência, qualquer que seja a estratégia ridícula e apelativa utilizada.
Vamos nos lembrar da história daquela moça loira, que chocou até mesmo os seus jovens colegas de faculdade, tão pequena que era a mini saia que trajava, bem como o senso de pudor que manifestava.
Virou manchete nacional... ganhou dinheiro fácil aos montes e hoje ainda tem espaço na mídia e colhe juros e dividendos de seu comportamento questionável!
Obviamente, ela só continua tendo espaço nos meios de comunicação, porque nós mantemos em alta as audiências dos programas nos quais ela aparece. Absoluta falta de cultura e de conteúdo intelectual do nosso povo!
Entretanto, como diz o ditado popular: "Ninguém consegue enganar a todos o tempo todo!"
Inevitável a queda, o desmascaramento, a exposição ao ridículo de quem se alicerça nesses quesitos. Uma celebridade vazia, sem conteúdo e com prazo de validade determinado... É nesse ponto que entram os artistas da cutelaria!
O caminho a ser trilhado em busca do domínio de nossa arte é extremamente longo, penoso e sacrificante. E não existem atalhos!!!
O domínio de determinadas técnicas básicas são essenciais para o desenvolvimento futuro e concreto de outras mais avançadas. Não há como pular etapas!
O aprendizado e o domínio das técnicas devem ser sólidos, afim de que alicercem o bom nome do cuteleiro, que deve crescer naturalmente com o passar do tempo.
Esmerar-se, buscar conhecimento e acima de tudo manter a humildade é vital à uma carreira promissora e crescente em qualidade técnica e em visibilidade.
Que a dedicação, a persistência e o conhecimento venham antes dos títulos, dos prêmios e do reconhecimento, de modo a serem concretos e inabaláveis e, pessoa nem circunstância alguma possam maculá-los, abalá-los.
Meu conselho aos mais novos é que espelhem-se nos bons exemplos da nossa Cutelaria Custom Brasileira. Seja num Mestre ou num Monge, de acordo com o perfil pessoal de cada um.
Não que podemos deixar que aconteça na cutelaria, o que infelizmente acontece em outros ramos profissionais no Brasil, é o surgimento de novas gerações de "faz de conta".
Como disse anteriormente, a cutelaria só evolui mediante CONFIANÇA!
Trilhem os caminhos, paguem os preços e cresçam alicerçados em conhecimento sólido e conduta ético-profissional inabalável, para que no futuro, nada nem ninguém possa transformar o que todos pensavam ser um Príncipe... num Sapo!
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